Traduction des camarades brésiliens de Nova Resistência ( http://novaresistencia.org )
O novo Presidente do Peru causa terror à esquerda e à direita. É Pedro Castillo, de origem humilde, católico praticante, conservador nos costumes e social-democrata na economia. Encarnando a síntese populista e antiliberal dos próprios anseios do povo e negando a lógica binária esquerda/direita imposta pelo sistema, a mídia de massa e os think-tanks liberais temem que ele sirva de modelo para uma nova geração de líderes contra-hegemônicos.
Um país muito diversificado
O Peru, um grande país latino-americano, é tão diverso quanto sua morfologia. Ele está dividido entre uma grande costa oceânica, que representa 10% do território mas onde se concentra 60% da população, o interior andino, que representa 30% do território e onde vive 30% da população, e a imensa floresta amazônica, que é fortemente despovoada (10% da população em um território que representa 60% do território nacional).
A história do país é marcada por uma forte imigração asiática e européia, de modo que o Peru pode ser considerado um dos países com maior diversidade étnica. Entre os asiáticos peruanos, a diáspora japonesa representa uma comunidade muito grande e poderosa (cerca de 80.000 pessoas), enquanto entre os descendentes de europeus, os principais são espanhóis, italianos, alemães, franceses e gregos. Vários presidentes peruanos vieram desta imigração, como Pedro Pablo Kuczynski Godard, de origem polonesa, e Alberto Fujimori, de origem japonesa, e Ollanta Humala, de origem italiana.
Sua história pós-independência viu o Peru ser protagonista de um grande número de conflitos armados, contra a Bolívia, Equador e Colômbia, bem como contra uma tentativa de curta duração do Reino da Espanha de recuperar suas colônias entre 1865 e 1866. Como muitos países latino-americanos, o Peru também passou por uma longa série de ditaduras militares, mais ou menos próximas aos Estados Unidos, e golpes de Estado.
Apesar de sua imensa diversidade territorial e cultural, o Peru é um país altamente centralizado. A riqueza e as decisões estão concentradas em Lima, a capital, uma megalópole de quase nove milhões de habitantes. A corrupção no país é endêmica, e o sistema político como um todo é a expressão de interesses oligárquicos que têm constantemente atacado os recursos naturais do interior, desempenhando um papel importante na manutenção da população indígena, que representa a metade da população, na pobreza.
Esta predação liberal e os regimes militares que a acompanharam foram a principal causa da fundação do movimento marxista-leninista-maoísta Sendero Luminoso. Com forte presença na selva andina, ele foi fundado em 1970 por um professor universitário de filosofia e militante, Abimael Guzman, e rapidamente se tornou um movimento de luta armada. Desde então, cerca de 70.000 pessoas morreram na guerra de guerrilha entre o Sendero Luminoso e o Estado, com massacres de ambos os lados: aldeias incendiadas por grupos militares e paramilitares, assassinatos de figuras religiosas pelos comunistas, expropriações forçadas, torturas.
Um percurso excepcional
Pedro Castillo nasceu e foi criado em um país com profundas divisões socioeconômicas. Filho de camponeses analfabetos e o terceiro de nove crianças, ele veio de um vilarejo próximo ao vilarejo de Puña, no norte do país. Desde cedo, ele foi membro dos “rondas”, grupos locais de autodefesa contra o banditismo, particularmente o do Sendero Luminoso, que é particularmente difundido na área. Ele estudou pedagogia e educação na Universidade de Trujillo na costa, graduando-se e trabalhando como professor em sua vila natal por 25 anos. Católico praticante, ele se casou com a mulher com quem manteve um relacionamento desde a adolescência, em 2000.
Professor em uma das regiões mais pobres e atrasadas do país (mas rica em minas de ouro e produção de café, tudo nas mãos de empresas estrangeiras e alguns oligarcas), Castillo era um desconhecido quando iniciou uma grande greve de professores. Durou três meses, com 200 mil participantes, o que enfraqueceu a posição e a imagem do presidente liberal-conservador Pedro Pablo Kuczynski. O movimento conquistou algumas de suas demandas, incluindo salários mais altos e recursos adicionais.
Envolvido em um movimento de centro-esquerda desde o início dos anos 2000, Peru Possível, ele o deixou em 2017. Ele foi posteriormente escolhido por uma Assembleia Nacional de Representantes dos Professores como candidato para as eleições presidenciais de 2021. Ele foi abordado por vários partidos políticos, e finalmente concordou em concorrer sob o selo do partido marxista-leninista Peru Livre, mas sem se filiar a ele.
Pedro Castillo foi eleito no segundo turno contra Keiko Fujimori, filha do ex-presidente Alberto Fujimori, atualmente preso por crimes contra a humanidade e corrupção, e representante da direita liberal, apoiada pelas oligarquias econômicas do país e pela mídia nacional, bem como pelo Prêmio Nobel de Literatura peruano Mario Vargas Llosa.
Católico e antiliberal
Sua eleição surpreendeu os próprios peruanos. Analisando a votação no primeiro e segundo turnos, foram as regiões rurais que mais levaram este candidato externo ao sistema político e econômico do país. De dezoito candidatos, ele foi um dos oito que não foram nomeados em escândalos de corrupção. Seu programa eleitoral incluiu uma nova constituição, reforma previdenciária, nacionalização da indústria do gás, investimento estatal maciço em educação, saúde e agricultura. Estas posições econômicas e políticas lhe conquistaram a simpatia das massas privadas pelas políticas liberais do país, cuja economia é uma das mais dinâmicas da América Latina, mas onde os benefícios econômicos estão concentrados nas mãos de uma elite voraz e altamente corrupta. Como resultado, a oligarquia peruana, após os resultados da primeira rodada, começou a exfiltrar suas fortunas ao exterior, temendo uma “venezuelanização” do país.
Entretanto, Castillo não é um socialista populista: se a luta contra a corrupção endêmica do país deve necessariamente envolver uma política antiliberal, também é verdade que as empresas privadas devem, na visão de Castillo, ser protegidas. Em outras palavras, o novo presidente do país parece estar comprometido com a soberania econômica, limitando a venda de ativos estatais a empresas estrangeiras, a fim de promover uma economia doméstica altamente competitiva com as importações. Ao contrário, Castillo parece ser um desses novos líderes que de alguma forma estão tentando construir um mundo multipolar, em oposição a uma visão do planeta interconectado em torno do poder dos Estados Unidos, como teorizado pelos neoconservadores americanos dos anos 90 e seus cortesãos europeus. Isto parece colocar Pedro Castillo na linha certa de líderes antiglobalização, soberanistas, socialistas e patrióticos como Thomas Sankara, Evo Morales e Hugo Chávez.
Se suas políticas anti-liberais lhe conquistaram simpatia entre os estratos sociais mais desfavorecidos, suas posições sobre questões sociais são surpreendentes e definitivamente o afastam das esquerdas liberal-libertárias ocidentais. Originalmente de um lugarejo remoto, a entrada de sua casa exibe um crucifixo e um ícone de Cristo como pastor. Ele renunciou ao salário presidencial completo, mantendo apenas o equivalente ao salário de professor, buscando assim uma vida parcimoniosa, longe do estilo de vida pródigo das elites do país, do qual todos os presidentes anteriores emergiram. Este ponto é essencial, pois nos permite detectar uma coerência entre seus projetos como presidente e seus valores mais profundos. Católico praticante, ele se declarou repetidamente contra o casamento gay, as teorias de gênero, a eutanásia e o aborto. Em termos de segurança pública, ele é a favor da deportação de imigrantes que cometeram crimes (uma mensagem pouco velada para as centenas de milhares de venezuelanos que cruzaram a fronteira com o Peru desde a presidência de Nicolas Maduro), da criação de grupos de autodefesa com base no modelo dos ronderos, e da criação de oficinas nas prisões para que os presos possam se envolver na manutenção de suas próprias prisões.
Dadas estas posições, é fácil entender porque a mídia esquerdistas ocidental, geralmente tão apaixonada por vitórias eleitorais progressistas, opositores de papelão e revoluções coloridas, estavam totalmente desinteressados na eleição de Pedro Castillo. Podemos legitimamente pensar que teria sido diferente se Castillo tivesse incluído em seu programa a legalização de drogas leves ou casamento para todos, preâmbulos necessários para entrar no círculo muito fechado dos “justos” e dos “insiders” (e não importa se o país for esquartejado e vendido em leilão). Isto prova mais uma vez que as esquerdas ocidentais se posicionam como uma alavanca das economias neoliberais e do processo de globalização modelado nos EUA e no modelo pós-moderno, e que abandonaram oportunamente os estratos sociais mais desfavorecidos, trocando-os pelas minorias agitadoras das grandes metrópoles globalizadas, o berço de seu eleitorado.
Somente o tempo mostrará se Pedro Castillo será capaz de manter seus compromissos e se mostrará legítimo e coerente.
Maxence Smaniotto
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